Internacionalização da consultoria… e o mercado nacional

O planeamento de recursos hídricos constitui exemplo relevante da importância do fortalecimento das empresas a nível nacional para alavancar o sucesso na área internacional.

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Numa despretensiosa, mas muitíssimo interessante entrevista dada recentemente, o Engenheiro António Mota referiu o seguinte, que se transcreve com a devida vénia: “O que me entristece é isto: precisava de um mercado consolidado em Portugal que me permitisse formar quadros para depois os levar para fora.”

Trata-se, de facto, de uma questão muito relevante, mas nem sempre devidamente equacionada no quadro da atividade internacional das empresas, e que leva frequentemente a considerar que a redução drástica de oportunidades em Portugal nos últimos anos não terá consequências negativas desde que as empresas sejam proativas e optem por outros mercados.

Acontece que este tipo de raciocínio pode conduzir, e tem frequentemente conduzido, a dois tipos de problemas:

  • Por um lado, algum alheamento por parte dos agentes políticos, a quem é mais fácil “recomendar” às empresas a alternativa da internacionalização do que assumir alguma preocupação em manter um nível mínimo de investimento que permita fortalecer internamente o tecido empresarial nacional;
  • Por outro lado, a tentativa de entrada prematura de empresas na atividade internacional, não tanto por opção mas por necessidade, sem uma base sustentada de capacidade e de experiência comprovadas que garantam aos decisores-alvo o valor acrescentado da sua intervenção.

Com efeito, salvo algumas exceções que confirmam a regra, será muito difícil a uma empresa, em particular na área da consultoria, em que a confiança é um elemento indispensável, entrar num novo mercado sem um sólido acervo de referências técnicas e financeiras que lhe permitam ter uma razoável probabilidade de sucesso.

Embora se afigure que noutros setores a situação será análoga, podem referir-se vários casos de sucesso de consultoras portuguesas de engenharia na área internacional, em que não terá sido coincidência o facto de essas mesmas empresas terem tido a oportunidade de participar em projetos relevantes no mercado nacional.

Por exemplo no caso dos transportes, é difícil dissociar a importante participação de empresas portuguesas em projetos rodoviários no estrangeiro, nomeadamente na Argélia e no Brasil, da vasta experiência adquirida no período dos importantes investimentos em Portugal naquela área na década de 2000.

Foi também marcante a forte aposta feita em Portugal nas infraestruturas de água e saneamento, realizada através do Grupo Águas de Portugal e das concessionárias de água nas décadas de 90 e 2000, que permitiu às empresas nacionais consolidar metodologias e capacitar quadros técnicos que foram decisivos para a entrada sustentada em projetos importantes a nível internacional, em particular nos países lusófonos mas também, ainda que em menor escala, noutras geografias.

É também pouco provável que, por exemplo, os Planos Nacionais de Irrigação de Angola e de Moçambique, além de outros estudos importantes naqueles países e no Magrebe, na área hidroagrícola, tivessem sido atribuídos a empresas portuguesas, sem os investimentos que foram feitos em Portugal naquela área, através dos organismos do Ministério da Agricultura, nomeadamente o IHERA (Instituto de Hidráulica e Engenharia Rural e Ambiente), numa fase anterior, e, nas últimas décadas através da EDIA (Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva).

O planeamento de recursos hídricos constitui outro exemplo relevante da importância do fortalecimento das empresas a nível nacional para alavancar o sucesso na área internacional. Com efeito, o intenso processo de planeamento lançado pelo INAG (Instituto da Água) e pelas DRARN (Direcções Regionais de Ambiente e Recursos Naturais), no final da década de 90 e início dos anos 2000, com a realização da 1ª geração de Planos de Região Hidrográfica e do Plano Nacional da Água (PNA) e, posteriormente, a revisão desses planos, já com o envolvimento das ARH (Administrações de Região Hidrográfica) e a elaboração do PNA 2010, constituíram uma “incubadora” de capacitação e experiência das empresas nacionais, que contribuiu para o reconhecimento internacional da engenharia portuguesa naquele domínio.

Este reconhecimento e as referências obtidas terão certamente contribuído para que, em ambiente de forte competição internacional, estudos de planeamento de recursos hídricos de bacias importantes como são, a título de exemplo e por memória, os casos dos Rios Cubango, Zambeze, Cuanza, Bengo e Dande, além do Plano Nacional da Água, em Angola, do Rio São Francisco, no Brasil, e do Rio Lúrio, em Moçambique, tenham sido atribuídos a consórcios liderados por empresas portuguesas.

Estes exemplos, que poderiam ser estendidos às diferentes áreas dos estudos e projetos de engenharia, evidenciam a estreita e quase direta correlação entre a capacitação e o fortalecimento gerada por projetos nacionais e a probabilidade de sucesso na atividade internacional.

Sem prejuízo da necessidade de que as empresas façam o seu próprio caminho de forma proativa e empreendedora, e independentemente das opções e motivações quanto à prioridade, oportunidade ou possibilidade do investimento, será pelo menos de esperar que quem tem responsabilidade por essas decisões, não considere que é totalmente alheio à internacionalização das empresas portuguesas e que a redução de oportunidades em Portugal é um problema cuja resolução se resumirá apenas… “a ir à procura delas para outro lado”.

Fonte: Jornal Económico