Entrevista | Nuno Costa no Jornal Construir

Entrevista: Ricardo Batista | Jornal Construir

Fotografias: Frame It

 

A Quadrante acaba de celebrar os seus 20 anos. O que é que mudou neste entretanto?

A sociedade mudou muito nestes últimos 20 anos. É muito tempo. Naturalmente que, neste período, o contexto da engenharia mudou e nós mudámos igualmente, quanto mais não seja porque estávamos a começar a nossa actividade. A Quadrante é uma empresa criada do zero e, naturalmente, sofreu a evolução natural de qualquer empresa. Um arranque em determinadas condições, um período de estabilização, várias fases no entretanto. Nascemos como uma empresa sem grande estratégia. Ou melhor, a única estratégia era fazer muito bem os projectos e servir muito bem os clientes, fazendo bem e depressa. Esse continua, no fundo, a ser o nosso mote. Queremos fazer muito bem e fazer depressa porque a sociedade assim o exige. Acho que esta aparente quadratura do círculo, para nós, é possível e faz sentido. Começámos como uma empresa de três pessoas e hoje somos 170 pessoas. Continuamos a fazer um grande esforço para cumprir os nossos objectivos.

 

Fourways

 

É possível, hoje em dia, cumprir esse desiderato de "fazer bem e depressa", olhando para as inúmeras variáveis em jogo?

A Quadrante começa a trabalhar em 98, no rescaldo da Expo, numa altura em que o mercado começa a cair. Aliás, há quem defenda que "isto" foi bom precisamente até 1998 e que a partir daí foi sempre mau. Ouvindo essas vozes, a Quadrante só existe no contexto mau. Houve um outro pico entre 2007 e 2010 mas, de resto, foi sempre difícil. É um facto que hoje é mais difícil cumprir essa missão de fazer bem e depressa. E é mais difícil porque existem muitos mais stakeholders a tomar decisões e as decisões que são tomadas são menos informadas. As pessoas estão a tomar decisões menos ponderadas e isso leva a uma maior indefinição, a mais avanços e recuos nos processos, a mais alterações a meio do processo. Há muitos retrocessos a meio.

 

Para quem executa, que implicações têm essas decisões menos ponderadas?

Desde logo implica perda de produtividade. Se eu tomar uma decisão com base num pressuposto e, depois forem introduzidos novos dados a meio, isso implicará sempre ter de refazer qualquer coisa. E, muitas vezes, são alterações que têm de ser feitas nos mesmos prazos e com os mesmos honorários, o que acaba por representar um grande desafio. Mas também é fácil perceber que não vale muito o esforço de tentar contrariar esta lógica porque, no fundo, é o Mundo como ele é. As pessoas querem tomar decisões até à última da hora porque entendem que isso é importante. O mercado muda e uma decisão que é tomada no início não pode ser válida passados dois anos. Temos de saber viver com isso e, portanto, a nossa forma de trabalhar tem mudado em função disso. Antes investíamos muito na fase inicial dos projectos e hoje percebemos que temos de deixar trabalho para fazer nas fases finais porque é aí que estamos mais perto do mercado. Há um doseamento para que haja uma maior carga de trabalho na fase final do projecto.

Nuno Costa

É fundamental haver uma estratégia nacional em que a Construção seja encarada como estratégica

Os últimos dados do INE, referentes a Fevereiro, apontam para um crescimento na produção da Construção em torno de 1,2%, uma subida sustentada na actividade da Engenharia Civil. Em que medida é que estes dados reflectem uma melhoria efectiva das condições do mercado e da consolidação das carteiras das empresas?

O sector da construção em Portugal foi praticamente destruído a partir de 2011. Houve uma perda enorme da capacidade de produção, tanto ao nível do projecto como da própria construção. Houve muita gente que abandonou a actividade, empresas simplesmente desapareceram e, portanto, neste momento temos muito menos capacidade do que tínhamos. Houve, a determinada altura, a ideia recorrente de que a Economia nacional estava assente em bens não transaccionáveis e era preciso evoluirmos. Isso resultou no desaparecimento de boa parte das grandes empresas nacionais do sector, boa parte delas sem grande expressão internacional, ou que não foram capazes de se internacionalizar de forma sustentada. Não tinham nem meios nem dimensão para isso. Deixou de haver mercado em Portugal de uma forma de tal ordem abrupta que não deu tempo para as empresas se adaptarem. Assistimos a uma grande destruição da capacidade de produção, tanto ao nível do projecto como de construção. Empresas fecharam, pessoas que estavam dedicadas a este sector saíram desta actividade e não mais regressaram, houve também pessoas que saíram do País e que tão cedo não regressam. Hoje em dia, as necessidades são muito superiores à capacidade produtiva que existe. A produção cresceu 1,2% mas podia ter crescido muito mais. Assistimos a uma grande dificuldade de responder às necessidades. Não se reconstroem empresas de um dia para o outro. Desapareceram empresas com um percurso de mais de 30 anos no mercado e mesmo que essas pessoas ainda estejam no País, a forma como se organizam não é a mesma e, portanto, a capacidade de produção é muito menor. Neste momento, os preços da construção subiram muito e a forma como se trabalha é uma forma pouco articulada porque a estrutura empresarial não é forte.

 

Que desafios se colocam hoje em dia, pelo facto de continuar a haver uma grande margem ao nível das necessidades e de não haver, efectivamente capacidade de resposta?

Há um desafio importante para o País. A construção é uma actividade que, em Portugal, se decidiu deliberadamente destruir e em Espanha não. Podemos comparar, facilmente, os dois mercados e perceber a capacidade das empresas espanholas e o que isso representa para a economia espanhola. As empresas espanholas de Construção e de projecto estão no topo das empresas Mundiais do sector e isso permite uma capacidade de internacionalização da economia espanhola muito superior à nossa neste sector. Em Portugal, as empresas têm uma capacidade muito reduzida e, portanto, a sua internacionalização é muito fraca. Isso faz com que a internacionalização da própria economia seja fortemente penalizada. Podemos gostar muito de vender coisas para o estrangeiro, sejam têxteis, sapatos ou outra coisa qualquer, mas isso não tem marca nenhuma. O valor não é deixado cá em Portugal. Temos fábricas que produzem de forma extraordinária para grandes marcas internacionais, mas onde está o valor? Na marca, não na produção. Na construção isso não acontece. A Construção pode representar uma grande mais-valia, mais-valia essa que, no nosso País, desapareceu.

 

Havendo uma maior capacidade das empresas espanholas, seja pela forma como se organizam ou pela importância que é atribuída à sua actividade, o risco de as empresas portuguesas perderem margem no seu mercado de origem é maior?

Essa é uma evidência. Basta ver, quer em obra publica ou privada, a quantidade de empreitadas e concursos ganhos por empresas espanholas porque, simplesmente, têm mais capacidade económica, financeira e técnica.

 

Como se responde a isso?

Não é fácil. As empresas que restam estão fracas e com pouca capacidade. Não se pode corrigir de um dia para o outro um problema com décadas. É fundamental haver uma estratégia nacional em que a Construção seja encarada como estratégica. Não podemos andar no meio termo de "ora é estratégico, ora não é" conforme a direcção do vento. Não podemos, de repente, investir muito em infra-estruturas – e Portugal precisa de infra-estruturas e de obras de engenharia - depois de ter havido uma deliberada onda de destruição das empresas deste sector. Faz falta uma coesão nacional de reforço do sector da Construção em torno do investimento em infra-estruturas. Para haver esse reforço, importa dotar as empresas de meios financeiros, de boa gestão e, eventualmente, ajudá-las a ganhar dimensão, seja por acções de concentração, fusão ou mesmo agregação.

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Em que medida é que o plano ferroviário em curso pode potenciar as capacidades das empresas nacionais?

Essas são obras sujeitas a concursos internacionais que, por um conjunto de imperativos, devem ser entregues às melhores propostas, independentemente de ser uma empresa espanhola, francesa ou portuguesa. É, por isso, difícil prestar esse apoio ao tecido nacional por via dos próprios concursos. Mas o que se pode fazer é reforçar a capacidade das empresas para que não tenham custos de financiamento tão elevados que se reflectem, obviamente, na qualidade das propostas. Pode-se trabalhar
no sentido de as dotar de meios financeiros que lhes permitam ter meios técnicos que resultem em boas propostas, por exemplo. Se depauperamos as empresas nacionais em termos financeiros, estamos, logo à partida, a potenciar os seus custos de financiamento que, por sua vez, roubam margem aos bons meios técnicos que podem representar propostas competitivas. Mais importante do que os trabalhos que se estão a fazer em Portugal é perceber "e depois?" Está em curso um plano de investimento em infra-estruturas que se espera que seja cumprido, mas a verdade é que a dimensão do mercado de infra-estruturas em Portugal não é suficiente para as empresas que devíamos querer ter. Devíamos querer ter empresas projectadas pelo Mundo fora e para se ganhar obras e projectos é necessário, desde logo, ter capacidade de financiamento. Se as empresas não se conseguirem financiar em condições favoráveis, não são competitivas no estrangeiro. Acresce a isso a necessidade de haver trabalho feito, referências, Curriculum em obras similares. Se as empresas não tiverem esse histórico nos seus países de origem, lá fora não conseguem ganhar obra nenhuma. Há uma espécie de círculo, neste caso vicioso, que torna difícil a internacionalização das empresas na fileira da construção. Em Espanha, assistimos a um círculo virtuoso em que as empresas são dotadas de meios financeiros, tiveram um passado de muito trabalho no próprio País e com essa experiência e meios conseguem estar nas maiores obras Mundiais.

Há margem, neste momento, para agregações, fusões, concentrações de empresas em Portugal? O Grupo está a olhar para isso como uma possibilidade como forma de aumentar a sua capacidade?

Somos uma empresa de projecto, mas acho que o princípio é válido para qualquer área. Entendo que as empresas de construção se deviam agregar para se tornarementidades mais fortes, particularmente a nível internacional. A área de projecto é um mercado altamente fragmentado, onde existe desde empresas com três pessoas sediadas num T1 até empresas como a nossa. Quando concorremos, fazemo-lo em condições manifestamente diferentes. Contudo, em concursos públicos não existem critérios que valorizem esta diferenciação. O Estado promove iniciativas em que o principal critério é o preço, sendo irrelevante a experiência apresentada, as referências ou a dimensão das empresas. Em Portugal, estamos a concorrer com empresas que não têm qualquer estrutura e o Estado devia assegurar que está não só a comprar a melhor solução ao nível do projecto, que não há erros em obra e devia acautelar que daí a cinco anos, se houver um problema, a empresa ainda exista e assuma a sua responsabilidade seja na resolução do problema ou na indemnização ao próprio Estado. Normalmente, um projecto custa entre 1,5 a 5% do valor da obra, mas os erros de um projecto podem custar 20 ou 30% desse valor. Um projecto bem feito é um multiplicador de ganhos para o cliente, que pode, todavia, ter em mãos um multiplicador de perdas no caso de haver um projecto deficiente. Basta olhar para a diferença de procedimentos face às melhores estruturas de procurement que existem: começam por fazer uma shortlist de empresas com referências técnicas e só depois escolhem a empresa que, das pré-qualificadas, tem a melhor proposta técnico-económica. O Estado, simplesmente, compra pelo preço.

 

Em que medida é que o Código da Contratação poderia - ou deveria - responder a essas questões?

O Código da contratação permite várias formas de contratação. Mas, entre a teoria e a prática, vai alguma distância. Na prática, em 80% dos concursos públicos o critério de escolha é o preço. Há concursos de projecto, avaliados em milhões de euros, que quase podiam ser ganhos por um padeiro, na medida em que não é exigido qualquer engenheiro no quadro ou que seja atestada a sua experiência. O critério é unicamente o preço.

Nuno Costa

A produção cresceu 1,2% mas podia ter crescido muito mais. Assistimos a uma grande dificuldade de responder às necessidades

Como olha para este fenómeno dos concursos vazios, com grande expressão recentemente? O que, no seu entender pode ser feito para assegurar que, desde logo, as regras iniciais dos procedimentos são minimamente aceitáveis?

Tem havido, de facto, concursos vazios mas em obra, não na fase de projecto. E tem aparecido concursos vazios por uma razão simples: o Estado contrata um projecto e depois contrata uma obra. E o que acontece com demasiada frequência é que o projecto aponta para uma obra de 100 e o Estado lança um concurso com um preço base de 80, com o wishful thinking de que a obra seja mais barata do que o que projectista disse. E normalmente é, isso sim, mais cara, na medida em que entre a data do projecto e a data do lançamento da obra decorreu um tempo que ultimamente aponta para um aumento dos preços. Se é para perder dinheiro, as construtoras nem aparecem a esses projectos. Com a falta de capacidade de produção e o aumento dos custos de produção, o Estado não pode querer comprar abaixo do preço de custo.

 

Que radiografia é possível traçar em relação ao mercado nacional, sobretudo ao nível do projecto e as expectativas para os próximos anos?

Estamos a viver um clima bastante aquecido ao nível dos edifícios, fomentado pelo investimento privado, mas não tanto nas outras áreas da engenharia civil, onde as coisas estão muito paradas. Ao nível dos edifícios estamos, de facto num ciclo alto e vamos assistir, de seguida, a um ciclo baixo. É a lei da vida. Não há dúvida que o ciclo que agora se vive vai acabar, seja este ano, para o ano, dentro de dois anos. Ao certo, ninguém sabe. Do lado do investimento em infraestruturas, há um problema: em Portugal precisamos de infra-estruturas mas não temos dinheiro para as pagar. Sabendo-se que as obras de infra-estruturas são financiadas com recurso a dívida, se houver capacidade de endividamento e que Portugal tem um nível de endividamento extremamente elevado, não é difícil perceber que não vamos investir em infra-estruturas porque não podem. Portugal precisa, mas não pode. O sector da Engenharia Civil, em Portugal, tem um futuro bastante limitado, o que não é necessariamente um problema. A Engenharia nacional tem grande qualidade e tem capacidade de se internacionalizar. Há vários países com muito dinheiro para investir em infra-estruturas e nós temos capacidade para estar nesses países. Acho que o desafio do Sector da Engenharia não é centrar-se em Portugal. Portugal não se pode endividar mais. Acho, por isso, que o caminho pode passar por limpar as empresas, fazêlas crescer por via da agregação e estar nos países onde há uma maior margem de investimento, onde as nossas empresas têm capacidade técnica para responder aos desafios.

 

O Grupo está a estudar esse potencial de agregação?

Estamos interessados num movimento de concentração em Portugal. Achamos que é necessário. Temos feito isso ao longo dos anos e estamos, neste momento, numa fase de olhar para outras empresas. Estamos a estudar operações de agregação porque entendemos que o mercado é extremamente fragmentado. Basta olharmos para Espanha para percebermos que as empresas de projecto são enormes, muito maiores que as empresas em Portugal. Achamos que, em Portugal, há possibilidades de concentração e há uma grande margem de ganho nessas operações, operações essas que são fundamentais para uma estratégia internacional mais sólida.

 

Por que áreas poderá passar essa estratégia?

Pelas áreas em que já actuamos. Temos uma área de edifícios, transportes, infra-estruturas hidráulicas, indústria e uma área de ambiente e não ambicionamos cobrir mais áreas do que estas em que já trabalhamos actualmente. Temos interesse em reforçar as áreas que existem, com empresas que tenham já presença internacional. Há, realmente, um enorme ganho de escala. Estar num mercado com uma empresa de projecto custa, no mínimo, 200 a 500 mil euros por ano. Se a base for maior, esse custo é mais diluído. Existe interesse económico de todas as empresas em diluir os custos fixos da internacionalização.

 

No último ano apresentaram um conjunto de obras internacionais, nomeadamente em África, como são os casos do Centro Comercial de Joanesburgo ou o Estádio de Bouaké na Costa do Marfim (da Mota-Engil). Esta aposta em África é estruturante, ou seja, há uma estratégia para manter a aposta naquele continente com uma presença local mais forte ou passa pela análise da oportunidade?

A nossa estratégia passa por não termos um peso grande da nossa facturação em Portugal e temos uma obrigação de ter determinado peso de facturação noutros países, nomeadamente em África e na América Latina. Há uma característica importante nos portugueses que raramente é valorizada. No hemisfério sul, a língua mais falada é o Português. Não é o inglês. O mercado da língua dá uma ideia de mercado potencial enorme. Além disso, uma das maiores dificuldades da internacionalização, além das questões financeiras, é a língua e nós temos o mercado de Angola e Moçambique como mercados grandes. Isso torna-os mercados naturais para Portugal e onde acabamos por ter uma vantagem competitiva. Acresce a isso o facto de África ter uma cultura bastante informal, o que acaba por ser uma dificuldade para empresas nórdicas, pouco adaptadas a esta característica. A Europa Central e o Norte da Europa têm culturas muito formais, ao contrário de Portugal, Espanha ou Itália, sendo que estes dois têm barreiras linguísticas que têm dificuldade em ultrapassar. Os portugueses em África têm vantagens muito importantes em relação a outros países europeus, americanos ou orientais. Já a América Latina é um Mundo onde as nossas vantagens são diferentes. Ali temos o mercado brasileiro, onde temos na língua um aliado, mas que é um mercado altamente sofisticado na medida em que há empresas locais de grande dimensão. Onde está a vantagem aí? O preço é importante e, em comparação com espanhóis e italianos, temos a vantagem da informalidade.

 

Fonte: Edição N.º 388 do Jornal Construir 

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